Spinning: as cores importam?
A cor importa? A profusão de cores de amostras e vinis nas lojas leva-me a intuir que a cor não interessa muito. Afinal de contas vamos ver anzóis, canas e outras coisas da pesca e são "todas iguais". Quando me refiro a iguais, os anzóis são todos ponteagudos e têm a forma de um anzol que espeta. E as canas são "paus flexíveis e leves com passadores". Os anzóis têm sobretudo duas cores, preto e níquel. As bóias têm perfis e gramagens diferentes que servem propósitos muito definidos. É nítido quando o mar está grande demais ou a correr demais e por aí fora e ajustar as coisas. Ou seja, as ferramentas de pesca mantiveram-se e especializaram-se em formas que evoluíram ao longo do tempo com atributos que se reconhece serem úteis e eficazes, testados e com feedback óbvio.
O normal por isso seria ver o mesmo no que respeita às cores das amostras. Haveria um consenso geral que as cores ípsilon e xis são melhores para a espécie tal e tal e na loja de pesca havia umas cores para o robalo para diferentes ou horas do dia, épocas do ano etc. Já estaria definido.
A meu ver o princípio de bom senso, que deve ser aplicado quando não há dados, levaria a concluir que quanto mais realista for uma amostra a nível da cor, mais eficaz ela seria. Afinal de contas se o propósito é enganar o peixe e fingir que está ali uma sardinha ferida, a amostra deveria ser o mais parecida com uma sardinha real.
Até a minha filha comenta isto dos seus 9 anos a interrogar-se sobre porque raio haveriam amostras rosas e amarelas se não há peixes assim aqui. Os peixes primeiro confiam nos sentidos do olfacto (irrelevante numa amostra artificial) e na vibração na água (muito relevante). A visão primeiro é aplicada a nível de vulto ou contraste. A cor só se tornará relevante quando estão muito próximos pois tendem a ver muito mal ao longe (com a excepção dos tubarões) e a luz dentro de água é filtrada: quando estão mais abaixo no fundo a luz que recebem é totalmente filtrada, especialmente os vermelhos e estão a olhar frequentemente de baixo para cima, vendo apenas o contraste.
É preciso lembrar sempre em praticamente todos os posts que há um terrível viés de confirmação em todos os pescadores (incluindo eu). Se temos uma teoria ou crença à priori, vamos procurar confirmar a mesma. Falo nisto num post anterior. Se um pescador ferrou um robalo com amostra laranja ao por do sol, no próximo por do sol ele vai usar a mesma amostra antes de usar outra qualquer. Isso vai aumentar as probabilidades dele fazer capturas com aquela amostra visto que a testa primeiro. E quanto mais capturas mais convencido ficará que é um grande pescador porque escolhe aquela amostra e descobriu o segredo. Só vai usar cores diferentes quando a primeira falhar, o que significa que pode nem haver robalos ou as condições estarem más quando ele vai testar outras cores.
Voltando às cores e aos robalos. Eu acredito que um ser humano com máscara de mergulho conseguiria perceber a diferença entre uma sardinha real e uma sardinha de plástico a 10 metros, nem que fosse pelas fateixas penduradas, pela forma de nadar... E se fosse uma amostra com uma cor estranha (rosa, amarelo fluorescente etc.) seria evidentemente artificial comparada com as espécies que seria de esperar naquela zona. Mas os peixes realmente atacam as coisas mais absurdas. Isso tanto pode ser sinal de que as cores absurdas resultam como pode ser (e é o que suspeito) que não importa nada. Em primeiro lugar, recomendo este texto todo dedicado à visão dos peixes https://midcurrent.com/science/fish-eyesight-does-color-matter/ .
Nele podemos ler que "the majority of fish have developed eyes that will detect the type of colors typical of their environment. For example, inshore fish have good color vision, whereas offshore pelagic fish have limited color vision and detect only a few if any colors other than black and white. This is not surprising from an evolutionary point of view, because nearshore waters are lit with many colors; offshore waters, on the other hand, are mainly blue or green and contain few other colors."
Isto aponta para que no caso do robalo, que é uma espécie que encosta e não anda lá fora, tenha realmente sensibilidade à cor.
Apesar de ser focado em mosca, o texto tem conclusões do autor que me parecem ser interessantes. Enumero algumas que podem ser úteis para o spinning ao robalo.
O peixe quando vê a amostra geralmente está de baixo a olhar para cima e o mais importante é o contraste. Num céu negro nocturno o preto é a cor que dá o maior contraste e pode ser a mais atractiva para os predadores. O preto é a cor mais visível nesse sentido na maior parte das condições e sobretudo à noite. Refiro que isto coincide com uma "crença" geral de que amostras pretas funcionam melhor à noite e não, como eu julgaria, um amarelo fluorescente ou um branco luminoso. Ouvi esta questão das amostras pretas resultarem melhor à noite e comprei uma só para as madrugadas antes do sol nascer: não tive qualquer sucesso ainda mas não pesquei muito de noite ainda. Mas pelo menos encontrei uma explicação. O importante na ausência de luz é mesmo um vulto definido em contraste na superfície. Ou seja, o facto de amostras pretas terem sequer sucesso na noite (e acredito que outros pescadores tenham tido) só reforça que o trabalhar, a vibração e o contraste das iscas artificiais são talvez mais importantes do que a cor.
Diferentes amostras de cores diferentes podem ser tão eficazes ou ineficazes porque simplesmente a cor não importa à profundidade de onde o peixe a está a ver ou porque o peixe nem sequer consegue ver aquela cor (eventualmente azul no caso do robalo?). Em águas mais fundas ou com turbulência da rebentação pode ser mais relevante simplesmente o movimento e o ruído da amostra do que propriamente a cor, o que é intuitivo e coincide com a crença de alguns pescadores mais experientes.
Em águas de menor visibilidade combinações de cores mais extremas (a clássica branca e vermelha por exemplo) pode oferecer maior capacidade de atração, o que também coincide com o que alguns pescadores experientes referem.
(Eu tenho uma destas porque me traz recordações do meu pai que tinha uma toda ferrugenta que trouxe da Bélgica. Tenho a memória de me entretar a brincar com ela e de me espetar nos anzóis... mas também de ficar intrigado com a óbvia artificialidade da cor)
Agora de um estudo efectuado no japão:
Influence of background color in color choice of the Japanese sea bass was studied in an experimental tank. White, red, green and blue were used for the background color of the tank, and five colors of lure (white, red, green, blue and transparent) were thrown into the tank and the response behavior to the lures by the fish was videotaped and analyzed. The fish exhibited the highest bite frequency on the green lure in the white background, and the white and transparent lures in the red and blue backgrounds. Thus, the fish chose the most visible lures in the respective background color
O Lateolabrax japonicus é bastante parecido com o nosso Dicentrarchus labrax, ou robalo europeu:
Lateolabrax japonicus
Em termos teóricos, significaria que a escolha da amostra e da sua cor poderia ser dirigida para se procurar um contraste maior com o pano de fundo do céu ou da espuma. Ou seja, um céu azul iríamos para amarelos, laranjas, vermelhos. Um céu alaranjado de fim de tarde para azuis ou verdes. Seria uma questão de seguir as cores complementares.
Isto aqui já contrasta com a opinião que acho (acho!) que é mais comum, que a cor da amostra deve replicar a cor ambiente, por exemplo, em águas oxigenadas e brancas usaríamos uma amostra clara ou mesmo branca, que num fim de dia usaríamos laranja etc. sendo o objectivo ser discreto, camuflado ou realista. Mas fica aqui a hipótese para testar, no fundo são dois extremos, por um lado ir pela camuflagem e simulação das cores ambientes, por outro contrastar o mais possível com elas.
Ainda do artigo da Da Game and Fish mag linkado acima: Outside of red and green, many dark colors appear quite similar to bass, which are unable to make highly selective decisions based on such colors like blue and black. Likewise, bass cannot readily distinguish between very bright colors like chartreuse and white (...) university researchers in Illinois and New York have found that largemouth bass eyes contain only two different kinds of cone cells: one that is sensitive to green and another that responds to red (“Seeing red: color vision in the largemouth bass,” by L.D. Mitchem, et al.). Thus, bass have dichromatic vision and are responsive to a range of colors that is more limited than the array recognized by humans https://www.gameandfishmag.com/editorial/what-colors-do-bass-see/
O "Bigmouth Bass" do estudo em que se basearam não é da mesma espécie de que o European Seabass (Dicentrarchus labrax). O termo Bass é usado um muito livremente levando a confusão de ser espécies diferentes com o mesmo termo. Por exemplo achigã também tem Bass e é um salmóidede água doce. Contudo podemos admitir que é de notar a coincidência com um estudo feito no japão a nível de conclusões sobre verde e vermelho numa espécie mais semelhante. Talvez seja bastante universal nos peixes e se prenda com a filtragem da luz e ser mais importante ver melhor à superfície onde há mais luz e onde abundam mais laranjas e verdes no caso dos peixes não pelágicos.
O que é que isto significa?
A ser verdade e que se o robalo da nossa costa for vagamente semelhante ao robalo no japão ou nos EUA, então também só tem a capacidade de distingir vermelho e verde. O que significaria é que o rosa, por exemplo, que precisa de sensibilidade ao "azul" para ser visto visto ser uma mistura de vermelho com azul, não é especialmente diferente para o robalo de outra cor com a mesma quantidade de vermelho lá metida. E há pessoal que jura a pés juntos pelo rosa... Um azul escuro seria igual a um castanho escuro ou cinzento escuro. Logo as amostras azuis não teriam qualquer relevância pelo facto de serem azuis.
Segundo, a visão do robalo está mais optimizada para ver em condições de baixa luminosidade do que ver cores. Isto pode contrariar um pouco a ideia que já ouvi que o robalo "não vê bem" ou que só usa "vibrações na água". Ele usa visão para avaliar e atacar presas, como bem pode atestar o spinner que vê um robalo fazer meia volta na água após investigar a nossa amostra com interesse desconfiado. A visão é relevante no último momento de aproximação e perto da superfície. Mas talvez não ao nível da cor. Este é um ponto que considero relevante, porque para mim sugere que num pesqueiro mais fixo, podemos tirar as teimas com uma amostra chamativa, barulhenta etc. mas o ideal é começar por uma que não o seja para não escaldar um peixe desconfiado. Ou seja, em vez de ir pela amostra mais barulhenta e vistosa e descendo até ao vinil mais discreto, eu sugeriria o oposto. A amostra barulhenta seria para tirar as teimas se há peixe ou não no caso de ser possível confirmação visual.
Conclusão
O meu palpite de bom senso leva-me a concluir que o que sucede por enquanto é que o robalo e outros espécies não estão adaptados a nível da visão para distinguir de forma totalmente fidedigna uma amostra artificial de uma presa real, porque as iscas artificiais são algo muito recente na escala da evolução da espécie e os predadores nunca tiveram essa seleção no passado. Tenho sérias dúvidas que a cor seja relevante comparado com outras variáveis. Com uma espécie totalmente diferente, a bicuda dos açores, apanhei alguns exemplares com uma amostra rosa choque totalmente diferente da amostra "sardinha" que estava a usar, nas mesmas condições de mar, portanto isto pode ser transversal aos peixes. A minha conclusão muito preliminar (e será talvez preliminar para o resto da vida) é que a cor não é assim tão relevante comparado com o trabalhar ou tipo de amostra. Acho que é muito provável que usar um vinil realista rente ao fundo é diferente de usar uma amostra com rattling a 1m da superfície.
Se a cor fosse assim tão relevante, haveria mais certezas e os próprios fabricantes apoiariam as suas cores em estudos e testes. Se é certo que as marcas beneficiam de vender kits de 30 amostras iguais com cores diferentes, também acho que haveria mercado para uma marca estudasse o assunto a fundo em testes científicos e oferecesse um kit limitado de cores e instruções para onde e quando as usar e para que espécies. A reputação de sucesso no longo prazo iria favorecer essa marca e as outras iriam copiar. A meu ver isso não aconteceu porque continua a ser um mistério.
Se
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