Desafios da pesca: o viés de confirmação
A aprendizagem da pesca tem inúmeros desafios, tentei abordá-los todos num texto mas já ia com 3 páginas e percebi que precisava de abordá-los um a um. Neste falo apenas de um fenómeno que se prendem com viés de confirmação e influência do próprio observador nas observações.
Em resumo, se um pescador acredita que o melhor isco é o isco tal e tal, e que a melhor altura é na maré cheia e naquele pesqueiro, ele vai à pesca nesses dias, com esse isco, nesse pesqueiro. Logo as suas capturas (a acontecerem) vão ser nessas precisas condições nesse pesqueiro com esse isco. É muito fácil um pescador afunilar em conclusões em função dos seus sucessos. Depois torna-se numa máquina de autoconfirmação das suas próprias ideias porque as implementa sempre. Se não há capturas a expressão que mais ouvimos é "hoje não havia peixe". O resultado são inúmeros pescadores com ideias muito assertivas sobre iscos, pesqueiros, comportamento de peixes, etc.
Nunca vi outra actividade em que houvesse pessoas altamente experientes e com resultados com opiniões tão contraditórias e incoerentes entre si. Nem que tivesse tanta ausência de substracto científico e racional.
Isto não significa que não haja mesmo padrões altamente fiáveis e pescadores extremamente experientes que sabem que nas condições tal e tal de maré, vento etc. no pesqueiro tal e tal com isto x e y vão tirar peixe. Isso acontece e eu acho isso extraordinário, essa economia de esforço focado que em vez de perder tempo a explorar e a tactear pesqueiros, hipóteses, montagens, etc. se hiper especializam num conjunto de variáveis e vão lá sempre que as variáveis se conjugam. O Manuel Monteiro do Segredos de Pesca (que recomendo vivamente) afirma que são "maus pescadores" porque são rígidos, estão formatados a um pesqueiro, a um conjunto de condições, se não estiver assim não sabem pescar. Eu apesar de o considerar o meu mestre "virtual" discordo. Acho que há uma certa elegância num pescador hiper especializado e não perder tempo com sair da zona de conforto. Esse pescador não tem a mesma perspectiva que eu que é o prazer de resolver enigmas, procurar, ser testado e procurar adaptação a contextos diferentes. Ele só quer tirar peixe e sabe uma fórmula. No limite, eu gostaria de ser esse pescador mas com umas 10 ou 20 fórmulas e pesqueiros totalmente diferentes que cobrissem um leque de condições de mar. Essa é aliás a minha ambição mas lá voltarei num post. Agora a questão do viés da confirmação...
Eu ferrei os meus dois primeiros robalos maiores sempre com vinis de cor verde "tropa". Sim, apanhei com amostras e outras cores, mas os das condições mais complicadas (teoricamente) foram com vinis dessa cor. A única coisa que posso concluir para já é que se tiram robalos com vinis de cor verde tropa em dias de sol naquele pesqueiro, ou seja, não é impossível. Mas admito a hipótese que se fosse um vinil rosa choque teria ferrado na mesma no mesmo lançamento. Ainda não sei.
Experimentei outras cores, é um facto, mas a verdade é que como tirei o primeiro de 2kg com um vinil verde tropa passei a considerar essa cor como a primeira escolha "em dias de muito sol na Aguda e no Magoito" e portanto é muito mais provável eu apanhar um com essa cor porque é uma primeira escolha. Até porque só vou recorrer a cores mais estrambólicas como rosa ou amarelo se a primeira não dá. E se a primeira não dá, se calhar é porque o peixe não anda ali ou não pega no vinil, logo vou experimentar cores diferentes quando a pesca já não está a correr bem e o peixe está difícil, logo essas cores vão ser testadas em condições mais difíceis a priori e aumentar o viés de confirmação de que não são boas.
Todos os pescadores fazem isto e até no curso Segredos de Pesca isso é referido (no spinning). Dizem para escolhermos a amostra que temos "mais feeling" que seja adequada. Pela minha experiência muito limitada (e lá voltarei num post porque isto mete probabilidades) eu costumo ferrar cedo quando chego a um pesqueiro. Ora, se não ferro com a amostra que tenho "feeling" a seguir vou para as hipóteses mais extremas. Isto simplesmente resulta em testar amostras de cores mais afastadas do nosso feeling quando tudo o resto não resulta. Se tudo o resto não resulta pode haver mesmo o contexto em que nada resulta: o robalo não está lá ou não pega.
O justo era testar essas cores mais estranhas logo ao início, mas mesmo isso não seria científico e metódico porque um teste "perfeito" envolvia o mesmo lançamento no mesmo momento para o mesmo local com cores direntes o que é impossível.
Outro exemplo de confirmação: ontem aumentei o chicote de fluor de dois palmos para um metro. Achei que talvez fosse benéfico para ter ainda mais fio invisível em mares tão parados e lusos, de dia, apesar das maiores dificuldades no lançamento (o nó fica mais acima e se não tiver cuidado passa nos passadores, trava o lançamento e/ou mói a linha no nó). E tive sucesso depois de 4 ou 5 grades com o chicote mais curto... Não mudei mais nada na minha montagem. Se eu não tivesse consciência deste problema, iria concluir: é melhor ter um chicote de fluor mais comprido. E a verdade é que sim, inclino-me para isso como uma estratégia em dias de mar mais parado e luso, com sol... Mas será real? Os dias foram iguais?
Este é aliás um dos encantos da pesca, o seu aparente parcial desprendimento face ao conhecimento científico, racional e à previsibilidade. Até uma espécie de horóscopo a pesca mete, com aqueles bordas de água e os índices de actividades dos peixe previstos hora a hora para o próximo ano em apps.
Espreitem qualquer fórum de pesca sobre qualquer tópico como "qual a melhor isca", "qual a melhor maré", "qual a melhor hora do dia", "melhor época do ano para o robalo" e vão perceber o que digo. Assumindo que quem comenta efectivamente pesca - o que não quero duvidar visto cirandarem por fóruns de pesca a opinar - é extraordinária a profusão de opiniões contrárias sobre algo que aquelas pessoas passaram anos a praticar pesca.
Em resumo, só sei que nada sei. Mas se algo resultou uma vez naquelas condições ou aproximadas e outras coisas não resultaram, isso é uma pista para o caminho que dá mais probabilidades de sucesso.
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